segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Pepe

Pareces um personagem da minha história, essa voz que me chega de um peregrino,  aventureiro... me contando da vida que não tenho, de hipóteses que não me quiseram, não me pegaram, não puderam. Narras um pouco a perda que me sinto... Tua voz nina um sujeito, e outro desperta em mim. Mande notícias, sim! Das coisas, das travessias, dos caminhos de sempre! Das chuvas que te encharcarem de surpresa, das moças que compõem novas rotas, das mãos que se estendem, dos sons que te cercam, dos sonhos que te levem pra outros enredos, quero  acompanhar-te com minhas ideias, Pepe. Sou aqui um silêncio que vira parágrafos de livros que não dou conta de escrever. Honduras, Costa Rica, Guatemala... Nomes bonitos que você atravessa! Te cuida, meu amigo! Te cuida! Sorte pra nossas histórias, beleza pra nossos sentidos. As paisagens, as cidades, os países vários ficam pra trás, tardas mais atravessar meu coração.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

ANA SE FOI

ana foi embora...
pensei em meu hálito,
em exercícios,
em melhorar...
talvez em trabalhar mais!

mas...
ana tinha meu nome tão fácil numa tela portátil,
bastava dizer "oi!",
eu responderia!
contudo, se foi.

não foi maior o silêncio
porque seu nome desceu ligeiro a barra de rolagem,
e ana sumiu
sem precisar de esquina,
da minha cabeça.

sem nos podermos clicar

éramos nada!
(com dedos leves se faz alguém feliz:
no clit e no clique)

"ana se foi!" - nunca gritei.
só agora, por efeito poético!
juro!
quase não desperto
que havia uma poesia para este acontecimento sutil


ana se foi!
ocorreu-me algumas vezes em ratificação:
estou ficando velho.

ana se foi!
mas nem se minha lista fosse em ordem alfabética
teríamos casado

fez contatos para procurar drogas
mas na oportunidade nem disfarçou que eu fosse de outra forma interessante
além de traficante!
o espelho também não dizia claramente nada a meu favor.
então raspei o bigode,
e me preocupei com o fim do perfume no frasco,
e com o dinheiro para o perfume,
e fui trabalhar,

e encontrei outras como encontrei ana,
e fiz cálculos e trabalhei porque...
ana se foi!

alguma vez disse "oi!" para ana
para teimar que o mundo não era assim

como o sabíamos no silêncio,
mas como o inventávamos falando:
"gostei demais de você!";
"adoro fazer novas amizades!"

no esquecimento dos outros dias,
quando lembrava esporadicamente,
sabia que não a queria muito.
então tentei evitar que o mundo fosse, através de mim, 

tão duro como tem sido comigo:

disse "oi!" para ana com certa lamentação introspectiva 
de saber dizê-lo com arte.
talvez ela tenha pensado, 
lembrando um amor que não liga:
"mas o que é ruim não me esquece!"

ana se foi!
e como eu, tente mentir 
um mundo sensível para todos nós!
mas é tarde, ana:
vimos os bastidores:
não gostamos de nós!
deu certo o nosso lance...
cer-ti-nho!

sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

TEMPO LADEIRA


calma, meu peito!
não é hora de ser feliz.
deixa pra amanhã que 
o tempo está em declive
e escapou uma roda do rolimã
da esperança.
os foliões no bloco que desce a ladeira
distraem-se e esquecem cantando
que viver é a causa da morte
e não tem cura.
só a loucura não tem receio!
chega quarta-feira
e mesmo o infinito se acaba no meio.
calma, meu louco!
viemos pra pouco,
e o temos feito tão bem
que não é visível o efeito
e a este respeito não se diz nada
...a ninguém.
filhos não fizemos.
exemplo de quem seremos?
deixemos a humanidade num orfanato,
senão na porta de alguém e...
...pernas pra que te quero!
"amém!"
não nos exasperemos na compaixão
por uma autolimpante humanidade.
calma, ignorante!
o tempo não tem cabelos,
não há como agarrar a vida!
por maior que seja o zelo
inevitável um dia se naufraga
num instante tempestuoso
no mar aberto do acaso.
e deus e o diabo estão, um de cada lado,
passando um arrastão no raso
de um lago poluído.
calma, subnutrido!
ninguém a seduzir, ninguém é falta,
nenhum país a se conquistar.
e o amor não enche barriga!
nada a persuadir!
que contrário queremos aqui?
alegria e tristeza não se convertem,
são coisas que se esquecem
uma na outra.
calma, beleza rota!
nem o Sol tem sido visto e
deixa disso!
a nossa morte não é feito a de cristo
que é só o intervalo de um serviço.
a menina se assustou. terminou de abrir o menino e não tinha nada igual dentro de sua cabeça. a moça se assustou, foi abrir o rapaz e tinha um animal dentro dele. a mulher desistiu, abriu um homem, era mole na carne, serviria bem para carnívoros, o desejo vazou gosmento, a mesma sujeira que vinha em forma de hálito tomando a atmosfera do mundo. a velha se torna viúva e - tenha recebido abraços de pêsames - sente que só perdeu o tempo.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Me deixa descobrir o seu erro, a sua falha. Alguma infâmia sua, por favor! Dê-me mais tempo! Não caiba tão linda assim nas vestes de uma saciedade incompleta. A minha imaginação rouba a seu favor, parece adepta cega de um partido chamado "você"... Deixa-me humanizá-la, acabar com esta luz própria, seja ao menos Lua ou, nua, acenda a luz de um quarto fora de minha cabeça.
Pensamento deixou a pia cheia, não lavou a roupa, não consertou o que estragado havia pela casa, perdeu a paciência entre 4 parafusos... Pensamento perdeu a chave de fenda, a chave do carro, a chave de rir, a caneta, e o telefone do amor que a caneta riscara em minhas mãos. Pensamento tomou lugar de lembrança importante sem pedir licença, lugar da fala do ator final de cena, roubou a oportunidade que era do corpo e do movimento. pediu arrego pra noite que ainda vinha de longe, em pleno dia... e não me trouxe um copo d'água. Pensamento ficou na cama, trancado no quarto, sem mãos de abrir a porta, abrir a janela ou acender a luz. dono da verdade, Pensamento não suspeita que seu largo passeio de alma sofrida se faz na calçada de delírios colorida. Pensamento não sabe tocar um instrumento, nem cantar, e acha que vai salvar o mundo... e se faz palavra do que sinto, é como contasse da beleza aromática, táctil, audível, psicológica, colorida, angular de uma mulher, apenas uma sombra chapada na superfície irregular da percepção. Pensamento pretensioso, quer fazer de tudo algo comunicável... Aah Pensamento, você não pega nem sol, o melhor que faz, se não vira esquecimento, é poesia.

FRIO

este "frio" que sinto, que sabe-sente a indiferença do universo, e neste sentir se fundamente o desejo de calor, que quer de alguma maneira abraçar enquanto há vida... este sentimento, sabido que sensíveis somos apenas nós, nisto estamos sós, não pode ser sentido por quem acredita e se aquece de um deus que é um universo, que interage por nós contra ou a favor. quem assim contempla a vida, não sentirá este mesmo "frio", não precisa e nem pretende acender a mesma chama que eu, talvez queira até mesmo apagá-la. e se ela está acesa, queira cozinhar um ódio.

segunda-feira, 26 de novembro de 2018

IMPORTÂNCIA

- Olhe o universo!, o infinito!, não somos nada... O que a gente importa?
- Nada disto: o infinito, o universo... sabe atribuir importância. Eis a nossa! Seria uma pena e mesmo uma tolice usar esta capacidade para fazermos tão pouco, entre todo este infinito morto, da rara e finita vida!

quinta-feira, 22 de novembro de 2018

sábado, 17 de novembro de 2018

Ela à vista



Quero o momento soberano do sorriso dela, e acordar meus dias, passar as tardes, deitar minhas noites na beleza da rua por qual ela vem. Pras suas curvas não há velocidade segura... Parei! Só continuei na imaginação os traços de uma tatuagem em suas costas, por baixo da peça de roupa! Aah, aclives que me levaram a ápices de imaginações terno-libidinosas.  Desavisado receio,  temia o sem rumo do país e me perdi em sua nuca. Freios falhos nos declives...  Capotei! Cada vez que ela jogava os cabelos prum lado, um mundo de expectativas era inaugurado, e era um habitat de quereres selvagens naquela densidade, e era verão de evaporar o juízo, e era de afogar e de salvar, o mar e a ilha. Tanto tempo à deriva me adivinha a alegria de gritar: ela à vista!

sexta-feira, 16 de novembro de 2018

Anti-horário

O jeito mais eficaz de perder o tempo é contá-lo.

O FUTURO DO AMOR POETA

quando não houver mais nenhum verso a ser feito de nós, o silêncio se deitará primeiro em segundos dantescos enormes; depois andará no incômodo, segurando pelo cós as horas largas para esconder as vergonhas; hercúleo,  abrirá como pilares portentosos as semanas que gradativamente se estreitarão; o silêncio, então, tomará sol na esteira dos meses, suspirando um alívio ainda tímido, até que espatifará imenso, quebrando o fino vidro da eternidade pretendida no ríspido chão do instante inexorável, perdendo a quietude num novo amor declamado. aí o silêncio já não será singular mensagem a ti remetida, mas algo estilhaçado em ínfimos cacos que já não cortarão os pés postos em novo caminho. ínfimos cacos de mudas palavras que inauguraram, num dia já esquecido, a falta de ter contigo.

O que acaba

Deitado na eternidade, sou e gosto apenas do que acaba: 

Nos meus olhos, o fim de um corpo na epiderme tocando o ar invisível e a cor das  paredes das casas, a cidade por trás embaçada...;

Na memória, um capítulo da história do corpo principal personagem...; No peito se diluem lentas as esquinas que dobro em partidas e embalo em lembranças apertadas...;

Em fotografia me cabe no bolso a cédula de um acaso adquirido por um propósito ocasionado. Uma esmaece, outro rasga...; 

Um sabor desaparecendo na saliva distraída desvela o poder da língua e a necessidade do outro; 

A saudade dos prazeres desenha imaginações sinuosas, alamedas idílicas que querem dar na rua presente e enfeita um amor com as alegrias que se foram no centro de corredores flácidos de minha visão periférica, por vezes carregadas em frias alças metálicas...; 

As formas que se desfazem ante meus sentidos; os beijos que se foram em outras bocas; os cheiros de manhãs que um café rotineiro não consegue mover do esquecimento; 

As rugas que me amorratam na bagagem do tempo; 

A música que acaba na tensão, mutilada da satisfação e do equilíbrio, desenha a vida que levo fora do tom...  

Amo tudo que é pouco, capto no infinito o que acaba, e me ajoelho devoto

quarta-feira, 14 de novembro de 2018

BICHO-DEUS

Não domarei o meu bicho pela beleza moral
Deixa-lo-ei solto fazendo pasto dos outros
Não usarei correntes mais longas que sejam
Não negociarei sua sede
Para deita-lo com fêmeas
Nunca mais chegarei pontual e a rigor
Não terei mais um lar
E morderei a  mão de um pretenso dono


A civilização nos alinha numa fila longa
Para a cova.
Nesta espera, o medo faz planos
Embotando o canino das vontades
E lastimando a beleza que transita mais rápido e desaparece do alcance de nossa língua

Meu estômago se adapte a dispepsia das maldades que assisti
Os meus erros são de Deus
E prestarei tantas contas quanto o Acaso

terça-feira, 30 de outubro de 2018

A FOTOGRAFIA



Sua fotografia inaugura uma distância difícil. O preto e branco da imagem parece resultar da onda de cores que quebra contra meu peito. Lamento ter uma alma quando esta é saber sua impossibilidade, quando esta é descrever-me incompatível... Ah! Olhando o silêncio fotográfico, sei o que quero. Quero os barulhos dela vivendo: ela quebrando um copo; a água de seu banho chovendo em meu deserto;  a porta abrindo melhor com sua mão no trinco. Quero que o vulto de sua existência, atravessando os corredores de chegar, rabisquem cotidianamente os cantos de meus olhos distraídos. Quando estivesse próximo, olhando em seus olhos, seria a plenitude, o mundo se tornaria um brinquedo. A busca deste sentimento raro, qual tudo que dura é breve, e o desejo de fazer da vida um rio que me desemboque nesta oportunidade é o que me faz continuar e suportar todo o mundo feio que não é sua moldura.

sábado, 20 de outubro de 2018

GÊNESIS


O Senhor Mercado formou, pois, o homem do barro tóxico das margens de rio feito esgoto da usina e, com hálito de televisor, sussurrou-lhe nos ouvidos um sopro de vida, e o homem se tornou consumidor.

sexta-feira, 19 de outubro de 2018

PÁTRIA, AMADA!


deixa fazer do seu sorriso,
de suas mãos,
de sua presença,
de sua cor,
de seu movimento,
o meu país?

cumplicidade é soberania.
gozemos nós uma igualdade
que o mundo não quis!

mas não! não sou um romântico!
sou um refugiado
se esgueirando entre os espinhos
do ódio semeado aqui,
onde em se plantando tudo dá.

antes da estação que uma farta seara
de corpos anuncia,
antes da cerca que separa,
seja o abraço o único campo
de nossa concentração

Quando um não quer, dois não vivem em paz!

PRECAUÇÃO



Pergunte "Como vai?"
Respondeu: "Tudo bem!"
Afaste-se!



Triste
tempo
claro

sábado, 13 de outubro de 2018

O CASACO BRANCO











décadas atrás, as mãos velhas de uma avó triste,
para aquecer e embelezar o que era dor,
desenrolando lento um novelo branco do chão,
consolavam-se em grandes agulhas de tricô.
tecendo para uma recém nascida angústia
este casaco que sou.

que apesar do carinho com que foi feito
e com que o guardam os seus
está encardido, apertado
e esgarçando

segunda-feira, 8 de outubro de 2018

A CAMINHO DO FIM



quero de novo o sol em seu rosto,
as ruas de seus passos são acessos do sonho à realidade.
você esqueceu um riso anestético
e leves pegadas na minha memória.

através de sua sombra - colorida na saudade -
quero a manhã que anuncia sua vinda,
prestes a dobrar da ânsia a esquina em alegria.

você me faz querer  estar acordado.
junto à sua boca, à sua nuca, ao seu pescoço
colher infindos todos seus gemidos
a caminho do fim.



terça-feira, 25 de setembro de 2018

TURISMO EM GENTE

não quero voltar no tempo
nem sonho lugares para ser feliz.

meu sonho não vira páginas de revista,
minha felicidade não cabe em fotografias.
não evaporo imagem para a outra vida
não sou a lady de "stairway to heaven"

helenismo, renascimento,
romantismo...
nenhum momento
europa ou states..
nenhum turismo!

tudo me soa besteira!
não me falta o caribe ou a costa brasileira...
ah! se eu achasse alguém no sacolão...
seria uma vida inteira!

já soube minha alegria encontrada
numa roda de samba
nessa gente misturada
numa calçada qualquer

vou ao inferno com Pessoa
e torna-se bela a vista.
não vou a lugar algum 
com esses consumistas!
não me serve cancun
com esta gente boa!

quebrei relógios, queimei calendários
rasguei as passagens
só ao outro fiz as viagens
e 40 anos andei no deserto:
em meu quarto solitário,
desfeitas as miragens, 
me acho livre austero desperto.

segunda-feira, 24 de setembro de 2018



tenho por experiência que temos mais de nós
enquanto bichos

enquanto gente
distanciamos do encontro.

o animal humano entrou em extinção
por sede do outro
a civilização é a indústria dos desertos

sexta-feira, 21 de setembro de 2018

A BICICLETA

a bicicleta no fim do corredor 
virada para a parede
é o que resta desta vida:

sou pneus que esvaziam lentos
sem ansiar qualquer passeio 
ou acreditar em encontros.
sou a preguiça a cobrar da vida razão 
que ela não tem para me pôr em exercício.

a bicicleta desliza apenas nestes versos:
vielas tristes de arrastar meus sentimentos,
jeito poeta de engolir o tempo
como um antídoto contra existir.

existem como notas de falecimento a prazo
os objetos sem alegria assim deixados. 
são flagrantes de desejos desbotados,
querer arquivado.

denúncia muda de minha volatilidade
a banhar-se na chuva insossa do descaso. 
o destino dos sonhos realizados é oxidar.
o selim é lembrança que de ali 
uma infância estatelou em mim.

a bicicleta virada para a parede adivinha:
"saber o destino desgosta o caminho".
só a questão "quando chegarei?" permanece
num timbre debochado da vida.

fosse filosofia de fugir de mim
e não de levar-me estúpido à padaria,
enchesse os pneus, pedalasse sem freios...
a pé, tardo na realidade!

o caminho achasse sua graça 
no sentido de despedida.
mas não! a bicicleta desistida só me leva a
testemunhar mortes e mortes depois da minha:

ah viver em cores que desbotam, 
brinquedos que viram tralhas, 
amores que já não persuadem 
nem no passado, nem no futuro.

a bicicleta me arranha parada:
"és horrível e não te amas!
pela vida tens apenas obsessão e teimosia!
gradativamente  amar e odiar
se envergonham ante teu intelecto.
quem amaste e quem te amou 
lustra à lucidez o desperdício do sentimento".

aconselha que me promovo ausente
não tomando as vias reais,
preservo-me ao menos imaginação alheia,
na forma gentil de saudade
ou senão alívio.


a bicicleta diagnostica
a paraplegia das jovens possibilidades.
gritando aos meus olhos 
nossa utilidade inutilizada,
nossa alegria anêmica.

o freio, que era a segurança 
desta liberdade em duas rodas, 
que o equilíbrio de um ingênuo merecia,
tornou-se um acessório tragicômico 
por sua excelência em nulidade
que é como ter juízo para conduzir uma vida sem graça!

o silêncio da bicicleta sabe um menino perdido e 
que o abandono é o destino do que se faz posse.
conta-me que deus não sonharia existir
declinaria do eterno erro de se replicar
pelo definitivo acerto de extinguir-se.









quinta-feira, 20 de setembro de 2018

Já pensou se todo mundo existisse?

ADEUS, RELIGIÃO!

Já não quero ir longe, porque estarei por dentro. Tenho memória de mim, eis o que de mim me aproxima e o que "eu" me faz. Não acho razão para correr mais que me corre o tempo sem razão alguma. Vou de encontro ao fim, deitado como um bichano na ternura de minha cama. E pros amores que restam, se não sou indispensável utensílio afetivo, estou à beira do abismo do esquecimento. Com relação a isto, já não ergo a voz a reclamar consideração. Enxergo-me e soo ridículo! Vejam! Sou pequeníssimo, pouquíssimo! Fui à lua em minhas alucinações e nem me vi mais na minha própria vida. Ah, esta luz acesa apagou muitas belezas cultivadas na liberdade da escuridão. 

Assim como quanto ao amor, desconheço o que seja a saudade. Ao tentar apanhar minhas faltas (saudade, nostalgia...), desemboquei no vago entendimento: a saudade são mãos vazias que vazias se sentem. Nada mais que isto me pareceu! No mais, os sentimentos nunca andam sozinhos, somos eles. Mais do que eles se desenham em nosso semblante, que podemos depois além de menti-los? Que podemos depois, em termos de verdade, se - tardios noticiantes - já estamos em posse de outras sensações? Que podemos com letras de entendimento sobre o que foi sofrido? Sempre que tentamos lançar luz nos sentimentos, nosso olhar se faz sol das cinco da tarde: amplificamos suas dimensões, deformamos a realidade em nova realidade medonha, comovente, cristã... e perdemos suas cores todas, projetando apenas uma enorme sombra no chão indiferente. Só sentir é sol de meio-dia, sentir é e não o sabe: não projeta sombras a serem pisoteadas no passeio público idiomático. 

Como tudo, os sentimentos não são puros! É limitação posterior de podermos apenas imaginá-los, a limitação de ilustrá-los, o desejo de exibi-los como nossa posse ou de nos exibirmos como posse deles, que nos faz inventá-los puros, discerníveis, e pretendemos que até factíveis aos demais. Mas os sentimentos não são distinguíveis ou insuspeitos como as expressões pretendem e muito menos se transmitem íntegros e fieis de um para outro indivíduo. Sentimentos não vão em cartas: um aqui se envelopa, outro lá se rasga! Se penso a vida como uma firma, leio no mural o documento: "Faço saber por meio deste memorando que o amor esteve aqui, foi sentido e deixou-nos as 14 horas desta segunda-feira eterna nas mãos de uma saudade enorme..."


Qualquer metáfora para uma saudade? Água que bebíamos, restou no jarro, um descuido sempre presente despejou tudo no rio. E agora? Como achar a porção que ali se misturou, como distingui-la? Então "jamais" é o som que o rio faz! Porém, há mais água vindo, uma sede esquece outra.  

Sentimentos vagos! Gritamos tanto seus nomes,  precisamos tanto torná-los reais, vivenciáveis, palpáveis. Queremos significar! "Homem Semanticus", que patético! Escoa de mim o tempo em que bastava a beleza! Assento minha personalidade atrás das rugas, atrás do prenúncio infindo da morte. Agora? Para lá com estas abstrações! Deito meu corpo no presente! Gosto de meu apetite como daquilo que está bem estabelecido, aquilo que não é preciso falar muito a respeito, que não depende de fé, de crenças. Aquilo com que se sabe estar em silêncio consigo mesmo. Com meu apetite me alimento e pronto! Não preciso de filosofias ou sermões. Finda a conversa nenhuma que é estar satisfeito. 

Enquanto "nós" somos difíceis e complicados. "Sós" somos mais simples, como nossos animais domésticos. Sou de mim meu animal doméstico, a mim mesmo domestiquei para "conviver-me"! Aceitei o transitório! Já não sinto como empecilho para a vida a falta do que passou. Peço o recibo do aluguel que pago na corrente contagem do mês seguinte! Nada está parado! Conformei-me cantarolando uma canção de Chico: "Passou este verão, outros passarão, eu passo." Então, quem pode suportar isto? Quem há sem querer deixar marcas? A princípio, com as janelas fechadas para nossa enorme nulidade e  incompetência, desejamos que o mundo sofra uma devastação de nossa ausência. Senão, ao menos alguém sofra, quem sabe um amor! E para melhor sentirem nossa falta, somos generosos em negar nossa intenção. Adequei-me ao presente e escorrego suave das mãos de um amor, sou dele um gozo e bem quisto ante mim mesmo, como num espelho generoso. Mas... e depois? Serei promovido a falta? Ah, desconheço minha competência para virar saudade! Mais ainda desconheço a capacidade do outro de senti-la. Tenho que ele saiba melhor menti-la que qualquer outra coisa!

Quantas vezes nos satisfazemos com as hipóteses vastas com pudor de vivermos a vida estreita possível? Aquela vida que cabe no agora, aquela que dá um sorriso sem sabê-lo, sem entendê-lo, sem calculá-lo! A vida que sofre "bulling" da esquizofrenia das possibilidades infindas. A satisfação maior com as hipóteses é um sintoma mórbido de gostar mais de viver desencarnado e ausente. Quem quis honrosamente viver como ideia escreveu livros e suicidou. Deixo o infinito cuidar do que penso, não me afobo a caminho de uma verdade platônica, vejo que é o mesmo caminho pra lugar nenhum. Por ora, vou ao que finda com tudo! Ergo-me no presente! Ontem um verso, hoje outro. Quero tudo aquilo para que tenho corpo, para que tenho vontades e para que falo esta língua.

quarta-feira, 19 de setembro de 2018

UM GATO

sonho viver como um gato, 
acordo homem como um castigo,
com versos que miam e arranham as portas
fechadas dos cômodos com 
caixas-de-areia.

sonho ser gato:

fazer de prolixas e dispendiosas 
declarações de amor 
um ronronar 

debruço melhor meu tempo 
no castanho de uma folha na calçada 
a crepitar no vento
do que no rosnado feroz 
das ambições nervosas no pavimento.

veloz animal em causa própria!
bichano,
deitarei meu sono no frescor dos umbrais,
terei o corpo na casa e os olhos na rua como num rio.


hábil,
serei capaz de viver
em cima do muro:
entre matar os ratos ou 
morrer na boca dos cães famélicos.

dali balançarei a cauda melíflua
qual estandarte da indiferença do mundo
ante os latidos!
e minha urina emprestará odor agudo
à impotência das cercas.


entre as pernas de quem
eu abraçaria humano,
escorregarei felino delicioso
como língua em caramelo.

e principalmente gato,
nunca mais contradirei meu coração.


https://www.instagram.com/tv/CN0GutkHGBp/?utm_medium=copy_link

quarta-feira, 12 de setembro de 2018

NÃO FAÇO QUESTÃO

não é que tenho medo que façam de mim uma alegria ou um consolo, tenho a sabedoria do que me responsabilizarão por qualquer monumento meu quando já não puderem fazê-lo devoto de seu prazer. tornou-se insuportável a ideia de "me dar" à outra pessoa, de me comprometer a algo com ela. é simplesmente repelente suspeitar numa frase qualquer ciúme ou vigilância com relação ao meu corpo ou à minha presença. recuso-me a dar importância moral ao sexo, seja para degradá-lo ou enaltecê-lo, seja para chantagear moralmente um outro corpo. sempre me arrepiei de engano ao ter de usar a expressão para algum entendimento: "a minha mulher". ora! nunca tive uma mulher e nem pretendo tê-la. o odor de outro começa quando este considera pouco meu comprometimento com ele e demasiado meu comprometimento com a minha solidão ou existência, apodrece quando me aconselha, apetece-me evaporar se ele me exige. por certo, sou pouca coisa. pouquíssima! aliás, não tenho pudor de ser coisa pouca para o outro, coisa má, coisa culpada. ele é tão "outro" que não intui  sequer que não me "comprometo" com minha solidão, eu a "descubro" cada vez mais. apenas isto! é tão fácil distraí-lo de sua solidão, servem-lhe dramas corriqueiros, novelas, noticiários... ocupo-me de mim, que posso mais? o que você me sugere? de maneira que, por mais tenebrosa seja a solidão, é no outro que ela se torna mais plena. não! não é entre paredes ou imaginando um mundo "irreal" que estou sozinho à pior maneira. as paredes e o crânio são apenas artefatos de privacidade e segurança. como animal, estou mais ardorosamente só na hipocrisia fundamental da civilização. nunca estive tão só como entre os importantíssimos filhos de Deus, para quais eis o mundo como herança de cristo e a vida como uma fase de testes. e meu cidadão, só se dando um pouco à hipocrisia dos homens que reclamam, goza de alguma proximidade. ah, os populares! o que chamam de "felicidade" me embrulha o estômago. não posso lhes ouvir dizer que algo é importante sem mentalmente tornar-me um astronauta e lançar-me para longe desta galáxia. quem quer que pinte a realidade com demasiada gravidade (importância) está sempre atrás de uma mula recheada de compaixão. sim! outrora quis resolver a questão "relacionamento" em minha vida, hoje percebo que não há esta questão. mais, não me importo com quem sou, com de onde venho e para onde vou. estou satisfeito quanto a estas "picuinhas" a tal ponto, que me basta o leviano alcance em biologia. saber quem sou seria me tornar estático, pois algo que pode ser possuído por uma sabedoria deve obviamente estar definido; saber de onde venho me mostra algo gosmento e saber para onde vou me enche de vermes. não sou de saber, sou de me gastar - eis o que é o bem da sabedoria! se sou algo, é antes desconfiado com o verbo. pois sim! não faço questão, entendo que a vida não é resposta, a vida não é nem mesmo "algo" e muito menos "algo a ser solucionado". de dar fim, a morte se encarrega. se me vejo a rir com outro, rio de nossa impotência, de nossa tragicomédia, de estarmos sem saída e de não podermos nos fazer satisfatória companhia, mas ainda nos podemos dar risos e bons momentos. qualquer amizade que tive e terei deverá ser sempre obra de uma arte frívola e superficial, pois se vista - por exemplo - profundezas como esta, o ser moral se desagrada como quem presencia vísceras putrefeitas. assim sendo, o único deus que concebo é aquele que nas ruas me diz "Vá pra casa!"
A solidão é onipresente.
Deus é um eufemismo.

domingo, 9 de setembro de 2018

PELADA

Mas este Sol lembra de mim e mil amigos. Esses campos sabem, baldios terrenos de outrora. As traves frouxas, as redes quase nunca, e mais furadas que a copa de um pé de cajá-manga pela Luz da 17h, horário de treino! A lagarta queimando a mão de Alexandre Henrique, que foi abraçar a árvore. Alexandre Gargamel, senhores! Que morava no morro da marinha, onde até hoje esteja talvez "Allen Anderson" - seu nome virou um verso-amigo-meu, meu amigo! E ele casou com a Viviane, que na mesma escola estudava. "Meu Deus! Esses vão juntos mesmo!" E Cássio -  seu primo, Allen - era um craque! Você em matemática me passando resultados exatos escritos na borracha. Terá virado um cientista? Um Engenheiro Civil? Ou...? Estará funcionando num sistema binário? Eu, como se vê, sigo jogando conversa fora! E já não vejo amigos assim! Daqui a pouco farei um gol de bicicleta; eu, este jogador medíocre. Este sol sabe também as carambolas do pátio da escola. Aquelas árvores tantas! Sempre tive fome da vida, e as vezes dei a ela gosto de fruta apanhada no chão da oportunidade. Este sol sabe o campo do Topo Gígio, o campinho do quintal da casa de Jorge, o campo do Cais do Porto, o campo do Camelo... Vejo Júnior Cabeção brigando com Puã, que era um fera e driblava sem correr, apenas andando. Puã tomava nossa bola com tanta facilidade que dizia comigo mesmo: "A bola é dele!" - adivinha a inflexão que há nisto: sério e sentencioso: "A bola é dele!", e virava um figurante do filme Puã. Slogan? "A glória máxima em ser outro". A gente é que as vezes estava com a bola roubada. A bola era dele! Nunca ouvi falar na televisão, não com este nome. Mas acho um erro se a vida não deu a ele a camisa de um clube, revelando aquele artista popular, queria ver ele adversário de outros. Marcos Aurélio ajudando o amigo na briga, aquela roda dizia: "Deixa eles dois! Deixa os dois se resolvendo! Se mete não!" Essas rodas que os homens fazem em torno de tudo que briga e pode ser que sangre, é a maior civilização que podem, fazer rodas em torno do inferno. Este Sol sabe estes anos todos, e sabe nos pintar de dourado. Mas a gente sabe que o Sol não é o mesmo. E pra muito nosso, anoitece.

sexta-feira, 7 de setembro de 2018

da esquerda pra direita

já nem discuto, porque a sua discussão é pra ganhar de mim e não: chegar a um fim melhor conosco.
não vou querer saber de você! pois sei que tudo que sei é ruim porque se tornou sabido. uma vez que para ser sabido foi experimentado, degustado e desgastado até virar parte do que não me impede ao tédio. não vou querer saber nada! não preciso da segurança dos que temem morrer e querem saber probabilidades de sucesso disto ou daquilo antes de entrar nisto ou naquilo que não pode deixar de ser a vida, e pedem garantias pra cada sentimento que devem deixar correr! eu não sou um investimento e não farei de mim um investimento. quero da vida ao menos uma vez ter passado, sem medo do veneno, a língua toda num aroma que me conquistou. porque era antes do seu cheiro que eu vinha morrendo mais ligeiro e sem sentido em ter sentidos.

quarta-feira, 22 de agosto de 2018

CASA DE BELCHIOR

a minha memória é um imóvel que remete a uma casa velha assombrada: no primeiro pavimento há um brechó cheio de quinquilharias que se em grande parte não estão perdidas é porque não encontram em mim interesse de procurá-las.

gosto de me sentar ao pé da escada que dá ao segundo pavimento, lá onde os conhecidos viram hóspedes. ouço daqui debaixo eles discutirem no hall quanto à qualidade das estalagens. os inquietos abrem e fecham portas e estão sempre a me propor uma festa aqui embaixo... se digo que não há espaço, sugerem que eu jogue as tralhas fora! 

por vezes, aqui do primeiro degrau, se estou frágil, torturam-me falas ríspidas que acho escutar compondo discursos que me diminuem... dói, se estou sensível, até mesmo se os ouço arrastar as mobílias de cá pra lá... estes chatos sem quais não vivo! insistem em dizer que tenho de me organizar, como devo pensar, o que devo aproveitar e o que devo pôr fora... quando se vão, por vezes digo "graças a deus!" mas eles mesmos quase sempre vão sem dizer nada, nem fazem barulho de partida no corredor. o último que, indo, avisou, foi um amor. veio, em verdade, me pedir para ajudar na bagagem, pois as malas pesavam demais. eu, com a pressa de me livrar do sentimento, levei um tombo e rolei pelos degraus. todo quebrado, fiquei por meses de cama e com a loja fechada. mas nunca troquei as lâmpadas que queimadas deixam escura a escada. 

quando é dia, gosto de me sentar aqui no primeiro degrau e me pôr a mirar a massa que minha miopia faz das peças. olho então para estes utensílios: vejo a moda ultrapassada numa camisa, almofadas encardidas, um sofá virado pra parede... - aquele mesmo! em que, sentada,  uma família palpitava a vida ou assistia passivamente os personagens coloridos que os entretinham de suas existências caladas em preto e branco. ah! as panelas em que minha avó cozinhava... ventiladores que aliviavam os verões que a gente atravessava. 

levanto, pego no guarda-roupa de minha irmã-jovem um casaco-velho que ali deixo esquecido até que um inverno lembre, então lembro também o calor que sentia o menino desta morada... "aah! veja!" - digo à minha solidão com certo entusiasmo encantado - os sapatos de meu pai calçar pro trabalho!... mas de maneira diferente, entristecido, não digo nada ao ver, em cabides, os vestidos de minha mãe, trajando agora o ar estático da casa... ele está tão próximo, tão aqui na minha frente. 

dizia que gosto de perder meus olhos nessas tralhas e gosto também de pensar que escodem preciosidades muito particulares. dentro daquela cômoda, quem sabe?, fotografias numa caixa de sapatos. ou sobre esta mesma mobília, por trás da foto no porta-retratos... não haverá outra? quem seria? e no bolso daquela calça que um dia esteve suada... uma moeda de cruzeiro? melhor se achasse a cédula de um barão... um barão que um dia roubei, e devolvi àquela prateleira ali que na cozinha de minha avó ficava... quem sabe? ainda assim, curiosidade instigada, nem sempre me apetece mexer nessas diversidades... pensem! tenho medo também de levar picada de algum escorpião, sei lá, uma aranha...  atrás do vestido florido de minha mãe, suspeito a víbora da ternura desbotada ou da ironia da alegria de flores estampadas! esses bichos que se escondem atrás das heranças, das coisas deixadas na inutilidade de existirmos. 

penso que estas primeiras a se darem aos olhos, estas que estão na superfície do recente, como a blusa de manga, azul-marinho  que minha mãe utilizou semana passada para ir ter com deus... penso que estas coisas escondam outras por tanto tempo, que o presente um dia se colida com o passado num terremoto, num rearranjar deste comércio ou mesmo numa simples espanada. 

fato é que poucas coisas me servem mais do que tristeza, saudade e também servem o alívio de ver coisas duras passadas! este jogo-de-chá, essa xícara vazia do café que meu avô tomava... vez ou outra arranco delas até mesmo um riso raro, cada vez mais caro, que brilha em desarmonia com tudo na casa de belchior... 

ah! entre tantas coisas guardadas: a velha cama sustenta o sono deste presente, já a escrivaninha me serve o estar acordado e sozinho... algumas dessas esqueço por não utilizá-las ou simplesmente porque escurece... no apaga e acende dos dias que passam, o Sr. Chronos - oportunista - com suas mãos de vento e seu gosto esquisito me leva algo amiúde. não sei na verdade se está me roubando ou se deixa uns trocados no caixa, nem sei o que leva ou se paga preço justo. ora! pois se tudo, quando não falta colocá-las, se encontra em antigas etiquetas de preço esmaecidas, sujas... não sei ao certo os valores e os majoro ou diminuo de maneira completamente arbitrária, sendo o árbitro o sentimento. 

fato é que, no final das contas, não dou por falta de muito da parte  que é inanimada! pois se já não quero nada desde que estou livre e posso me mover no escuro dessa casa a mim acostumada, posso derrubar tudo... pouco se me diz o caráter comercial e o sucesso enquanto negócio. hoje faz mais estrondo o sumiço de uma foto de meu pai do que o tombo da estante pesada. mas... por mais que uma angústia quebre os presentes de casamento, como as louças que viviam atrás de um vidro guardadas, por mais que uma raiva vocifere e bata o martelo de meu pai - como quando na infância de castigo no quarto - contra a penteadeira, deixando a madeira gravada, ou que eu faça outro tipo de pirraça em frente ao espelho para ver minha cara enrugada de mágoa e tempo, ainda que quebre o frasco de perfume amarelo de minha avó, sobre o piso, espalhando o cheiro de tudo que foi pelo vazio que resta... nada! nada fará com que se movam os que estão aposentados no porão... até lá, a escada escura, a porta sempre cerrada, nenhuma luz atravessa nas frestas. o que resta deles é já não terem uma casa de belchior, é só em mim fazerem sua pousada... 

já não há escândalo quando me olhando depois do banho o vejo no espelho da penteadeira herdada. a apatia desenha seu rosto, e ele se questiona, confuso, tateando na fórmica as marcas de uma ira infantil: "serei aquele menino que lá fora brincava?" que devolveu o barão, enquanto Chronos - que é rico - não devolve nada! e se hesito do que vejo, quanto a ser um homem maduro apesar do grisalho brilhando o molhado, mais ainda duvido, entre peças deslocadas, daquilo que visto. aquilo que torna a questão outra, a encher a memória de eco: "será toalha ou mortalha isto em que me seco?" 

Não tenho um cão, tenho a mim mesmo como animal de estimação.

domingo, 19 de agosto de 2018

a falta se move rapidamente, o que era deixa de ser. e o que deixou de ser é solúvel no tempo. a fome saciada, a sede no copo afogada. o esquecimento é algo à semelhança do infinito. a falta se move como um furacão, um dia ela te inventa no outro ela te ausenta. e o que falta é fim.

sábado, 18 de agosto de 2018

O MELHOR AMIGO DO CÃO


nos olhos quietos do cão o homem se conforma. no que lhe destina, no que dele não espera, o animal melhor se faz. na incompreensão real, o homem inventa um sentido especial ao ser do cão. coitado daqueles que com palavras se tentam entender! só se chateiam e entediam! por fim, fazemos ao menos um coro em comunhão: "o semelhante biológico, não!' o cão cabe melhor, no quintal e na nossa imaginação. um cão faminto é infinitamente maior possibilidade de adoção! o outro humano fala, quer influir no seu significado, contesta a tradução que dele fazemos! impõe-se neste mundo palavroso tendo opinião. o cão em seu silêncio semântico adquire no semblante o significado puro de nossa interpretação. no cão podemos colocar coleira e exercermos uma tirania legal. o cão é um objeto romântico! embora coma merda, lamba o chão, estraçalhe gatos, destrua o canteiro, morda um irmão. é territorialista, rosna egoísta sobre a ração... mas lhe concedemos, apenas por não se impor no mundo das ideias, peremptória absolvição. esquerda ou direita, acariciamos sua cabeça de animal de estimação. o outro humano, não! o traço de nossa carência reimprime em ternura a figura canina. um cão em silêncio é sempre conveniente; o homem em silêncio depende da situação: pode ser indiferente, esnobe, desligado, deficiente. se é fala e não latido, evite a repetição. um cão é ótimo: ante este parágrafo visto, não apresenta contradição. nós gostamos mais do cão que do homem, assim como gostamos mais de ser Deus do que irmãos.

terça-feira, 14 de agosto de 2018

CONDIÇÕES ESPECIAIS


acho que os lúcidos deviam ter lugar de prioridade
nas filas:
"até 10 volumes, idosos, gestantes, deficientes físicos e lúcidos!"

além de ser duríssimo lidar com a lucidez, 
não se enganar num mundo e num país como o que nos tem...!

não se enganar: viver de olhos abertos ante tanta falta de perspectiva....
não se enganar com o futuro é algo mais doloroso que qualquer deficiência por Deus consolável

é inconsolável! porque Deus é a única bravata que consola todo futuro!

prioridade nos estacionamentos para os lúcidos! - grita este verso vão. 
como é a lucidez: dolorosa, impotente, errada...
os doentes mentais são maioria
os lúcidos são excepcionais!
vagas prioritárias!, prerrogativas funcionais e físicas!

concretamente? num enorme carrefour
bastava uma vaga dessas!
qual muitas vezes estaria vaga...
claro! se os deficientes racionais não a usassem
com a razão em fazê-lo por terem pouca
ou nenhuma razão.

DEFICIENTES



quem acredita acima de tudo
acima de tudo está enganado.

o que é presente não precisa de crença.

conheci muito bem um menino
que queria e acreditava que tudo fosse só sonho.

por fim
acordaram-no!

levantou as pálpebras e descobriu
"crer" é uma deficiência 
da "visão"



sábado, 11 de agosto de 2018

PARA PANDORA

adquira o hábito de jogar pedras na tua esperança
retira dela as cadeiras de espera,
empurra-a para fora das camas 
daquela em que apenas te deitas
e principalmente da outra 
em que amas

deixa-a de pé em frente a janela 
e ilumina ante ela 
a infinita estrada do nada

não te esqueças dos mortos 
que doem em teu peito.
e nunca, jamais lhe sorrias.
caminha firme para os dias!

de noite, se não dormes, 
amordaça os consolos, amigo!
apaga a lâmpada do quarto
e deixa teus olhos inúteis abertos
até o castigo se tornar duro demais
e verás claro que o escuro não se desfaz
se confias à esperança acender a luz
que uma sede corriqueira movendo um dedo é capaz

adquira o hábito de matar o que em ti
nunca de ti te satisfaz.

DESCONSOLO NA AREIA

Fazendo conversa dos versos: Poesia: Consolo na praia (Carlos Drummond de Andrade)

mas, carlos...
eu não tenho um cão. 
e o coração resta - ido os amores
- regando olhos que se vão cada vez mais 
longe de verem encantos
na umidade refletem apáticos
o opaco concreto da cidade

blasé,
a última dramaticidade é a falta de drama.

a capacidade de amar
verteu-se numa espécie de condenação.
a todos amo como um animal
que afaga aos demais. 
com sentimento de desperdício 
de não sermos pedra
acaricio-os vida 
abraço e beijo-os como quem vela 
monumentos de tristeza.

ergo ondas entusiásticas
para apagar tudo numa febre conjunta...
apago as luzes, a lucidez machuca 
enlouquece de vez e não cura!
a enorme maioria esconde na estupidez
a intolerável parte dura.

a companhia ideal e a real que esperei
de pé em minha tolice
ambas quebraram o cristal da minha cabeça
e a memória sempre se corta nos cacos

ah, carlos!
fico repetindo a última estrofe
como quem procura o timbre daqueles versos
que aconselham:
que me precipite nas águas...
sinto-me nu na areia, sim!
mas não vejo água...
não parece praia
mas deserto!

no derradeiro já compreendo
obedeço meus pais:
"dorme, meu filho!"

e o resto me vem no sono:
...pois isto é só um fim gradativo, lento, contemplável, acontecendo...
quantos sabem a sorte da guilhotina?

sexta-feira, 10 de agosto de 2018

MUITO MAIS INTELIGENTE DO QUE DISCERNIR OU DISTINGUIR

Saber observar como as coisas se relacionam, como estão misturadas, envolvidas, como são interdependentes. Nosso erro mais comum em distingui-las é concomitantemente fazê-las independentes. Este é um erro essencial da civilização.

quarta-feira, 8 de agosto de 2018

TEMPO LYCRA

Lembro do tempo em que ele, o tempo, era um jeans largo a me deixar quase nu de responsabilidades. Hoje me veste este tempo lycra, preciso correr. Em vez de um romance, um parágrafo. Em vez de amizades, um "Boa tarde!" que me sabe as costas. Fui!

MEU ENGENHO GENTE

"não diga isto de você!"
"não se atrapalhe ou se sabote!"
ou seja, o que eles estiveram sempre a me dizer:
"não simplesmente seja, se arquitete!"
senhores, neste jogo já perdi
e não há arrependimento.
nesta vida fracassei!

mas há um mundo que acho e
vem convivendo comigo
muito bem.

não digo algo porque contribui com uma carreira.
não o digo por mera conveniência financeira, amorosa...
nem o amor, nem o trabalho são meus regentes!
meu maestro é o desejo de descobrir, de experimentar
...e dou-me um pouco - como quem folga - à beleza.
não posso ser apenas invento
porque me experimento.
sou como um animal que se lambe com a língua
portuguesa.

o que digo são achados, visões...
e não necessários degraus que me elevem a um patamar.
falo o que vejo, não o que acredito!.
e se degraus faço com o acaso,
ás vezes me apeteça descer:
ir mais e mais fundo.

não vim dizer o que seja coerente com ontem...
não necessito fazer uma imagem que insinue ou
contribua com profissão ou status!

sou espontâneo e está pra nascer mercado
a que eu entregue mais do que o justo engano!
sou fluxo inusitado da manhã...
à tarde olho deus curioso.
e de noite dormimos um só ser.

estou o mais recente em cada momento e verso!
estes olhos famintos
sobre a coisa sempre coberta que sou,
tentando saber o humano pra se saber,
tentando se saber pra saber o humano.

não vim me inventar prudente!
meu engenho gente não é de me fazer imagem adequada.
a consciência média enxerga de mim diferente,
no exercício fundamental de enganá-la não me gasto muito
pois esta faz por si praticamente todo o serviço.

senhores, vejo que há muitos sucessos
que seriam um fracasso eu fazer!